Thursday, March 01, 2012

A CAMINHO DA TRANSFIGURAÇÃO - 9





15/5/89


    O fogo varre o horizonte. A terra está calcinada na totalidade da sua extensão. O vento da tempestade sopra agora como nunca soprou. O homem desejaria deixar-se derrubar mas o Espírito não consente. A voz tonitruante ressoa com os tambores de guerra: «Eis o teu umbral. Avança e torna-te mais do que um homem!»

    Não há para onde fugir. Não há quem queira ou quem ouse agir. O homem caminha porque é impossível não caminhar. Não olha para trás porque é impossível olhar para trás. Uma por uma, as suas envolturas caem por terra enquanto, através delas, o ser avança. Ao longe, ainda quase inaudíveis, soam os hinos da liberdade. A dor ainda o impede de desfrutá-los.

    No horizonte estavam duas esferas colossais que se tocavam num único ponto. O homem  ambicionava chegar a elas mas, agora, só não foge ao encontro porque é impossível fugir. No local da união das duas esferas está um altar. Aí ardem três chamas.
    O homem não conhece os gestos a fazer; contudo a sabedoria está nele: empunha a espada, tempera-a no altar e, com um gesto resoluto, ergue-a ao Céu e toca a esfera superior. As palavras ressoam: «Senhor, faça-se a Tua vontade e não a minha. Por ti, não para mim. Sempre e não somente agora!»
    O ser interior empunha a espada. Leva-a a voltear no ar captando a espiral interior desperta pelo Raio do silêncio. Então enterra-a no próprio coração. O sangue derramado tomba sobre o altar onde a chama o volatiliza. O vapor escapa-se para a esfera superior passando pelo estreito ponto de contacto. Então o homem avança para o mundo ardente. Já nada mais pode detê-lo. Os despojos ficaram para trás. A dor é indescritível. A mais desenfreada das batalhas foi curta. O mais amargo dos cálices foi bebido de um trago, sob a inspiração do relâmpago.
    A esfera superior recebe, finalmente, o homem. Este ganhou asas formosas de que ainda não se apercebe. Anjos colocaram-lhe uma coroa cintilante sobre a cabeça que, no entanto, arde com a dor do confronto. Já se ouvem os cânticos de alegria mas o grito de dor ainda ressoa igualmente. O portal está aberto e, no seu umbral, o antigo fantasma aterrorizador converteu-se num boneco de trapos.
    A alegria ressoa lentamente pelas fibras da alma. O último passo é já um pouco mais ligeiro. Do outro lado, todos os palácios têm paredes de cristal. O Ancião dos Dias está no maior dentre eles para acolher o guerreiro. Abençoa-o e oferece-lhe um longo estandarte branco. Toma a sua espada, toca-a com o ceptro e devolve-lha: ela deu boas provas e merece continuar na sua posse porque foi ele próprio que a temperou.
    Altos dignitários saúdam o seu novo companheiro e revelam-lhe coisas de pasmar enquanto ele se volta para o mundo que deixou e descobre a sua verdadeira face.
    Tu, que soubeste, pudeste, ousaste e calaste, és bem-vindo entre nós! Em breve poderás tornar a encher a tua taça.


SERAPIS BEY (Um hierofante de Shamballa)


(in Pérolas de Luz, Volume II, do Centro Lusitano de Unificação Cultural)

No comments: